sábado, 4 de junho de 2011



                                      UM SONHO DE QUARTO


           Tudo inspirava silêncio naquele lugar. Apenas o redemoinho das lembranças fazia barulho, provocando um desassossego que deixava em desalinho minhas emoções.
           Era final de uma tarde de outono e fazia frio. Largada no sofá da sala, totalmente entregue aos devaneios, senti minha alma falar de saudades. La fora, a noite se insinuava, escurecia devagarinho; o cansaço do dia tomava conta de mim e pedia para quieta eu ficar. Ao voltar o olhar para o relógio na parede, me surpreendi: como o tempo havia passado!. Agasalhada pelo aconchego dos pensamentos nem havia me dado conta.
          Impiedosamente, o celular tocou com insistência. Preferi ignorá-lo e me entregar por inteiro àquela malemolência gostosa. Meus olhos, preguiçosos, estavam completamente embriagados pela voz de Tim Maia, que vinha não sei de onde:"eu preciso te falar... te encontrar de qualquer jeito... pra sentar e conversar... depois andar de encontro ao vento..."
          Ajeitei-me no sofá e me deixei acariciar pela brisa suave vinda pela janela aberta. Senti-me leve como uma folha seca. Tão leve que o vento foi-me levando... levando... leeee-vaaan-doooooo... Num piscar de olhos, lá estava eu, diante daquele quarto inspirador, tão íntimo, tão meu.
         Ali o tempo havia parado: logo na entrada, o mesmo tapete artesanal, enfeitado com orquídeas lilás e rosa, convidou-me a abandonar as sandálias gastas pelas caminhadas da vida. Entrei com passos silenciosos, sem pressa, sentindo a carícia do piso de tijolos brancos sob os meus pés. Reparei no mobiliário, nada havia mudado: ostentava uma beleza rústica e imponente de simplicidade e de bom gosto. Num canto, a penteadeira antiga, presente de minha avó, me aguardava calada, na mesma posição, intacta e bem cuidada;  aproveitei para me perfumar e retocar o batom. Passeei meus olhos pelas paredes nuas: a fragrância perfumada que se espalhou no ar escreveu nelas pedaços de histórias, que eu jamais desconfiei que pudessem ser revividos. Um vaso com flores colhidas no quintal enfeitava um criado-mudo juntamente com um porta-retrato que falava de romance. Ao me voltar, deparei-me com um espelho a me sorri. Nas entrelinhas das marcas desenhadas pelo tempo em meu rosto , percebi, havia histórias impressas, sonhos desfeitos e satisfação também.
         Voltei-me lentamente, plena de emoção, e me dirigi até a cama. A maciez dos lençóis de algodão despertava imagens afetuosas. Um cheiro diferente tomou conta do ambiente. Aspirei-o com prazer, apertando mais os olhos para senti-lo com gosto: foi quando braços ternos me envolveram, me apertaram, cheios de saudade. No meu ouvido uma voz conhecida sussurava: "sempre estive à sua espera, eu sabia que você voltaria!". Estupefata, nem tive tempo de responder pois um beijo de final de novela calou minha voz e deixou meu coração aos pulos. Enquanto isso, novamente o toque do celular, desta vez mais insistente e inoportuno, me fez ancorar na realidade cotidiana. Que pena!, naquele momento somente a solidão me fazia companhia.
          Espreguicei-me, sem graça. Chateada, bocejei. Depois, compreendi que os sonhos são essenciais para proporcionar poesia à vida principalmente quando falam de coisas que fazem sentido para ocoração.

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