sábado, 9 de julho de 2011

                                    ANTOLOGIA DE LEMBRANÇAS


    Fui uma adolescente introvertida e reservada. A minha timidez excessiva era desinibida, adorava se mostrar, antes mesmo que eu chegasse lá estava ela, na maior receptividade, fazendo festa aos que não me eram familiar. Me esconder parecia inevitável cada vez que apareciam em minha casa pessoas estranhas ao meu convívio. Era um sufoco inominável a me esfriar pés, mãos e sacudir meu coração.
    Na tentativa de escapar dessas situações embaraçosas, elegi meu quarto para ser o meu esconderijo; era para lá que eu corria quando me sentia ameaçada. Melhor, fiz dele o meu refúgio, o paraíso particular onde eu gostava de ficar em silêncio, sozinha, ilhada no barulho da imaginação e protegida pelas muralhas dos castelos que erguia. Viver na minha reserva de fantasias permitiu ser expert em criar histórias miraculosas, tramas mirabolantes, enredos carregados de aventura que, aposto, ganhariam o oscar em criatividade surreal. 
    Depois de experimentar algumas fugas, tornei-me viajante recorrente pelo vale dos sonhos e sobrevivi. As sensações provocadas pelas viagens dessa época são tatuagens desenhadas, para sempre, em mim.
    Foi nesse templo de emoções fascinantes que tive a oportunidade de conversar com Chapeuzinho Vermelho. Ela me disse para eu ter cuidado com o lobo mau. Ai que susto!, jamais pude esquecer desse conselho e me previno até hoje. Acompanhei Joãozinho e Mariazinha perdidos na floresta, senti medo e chorei com eles. Sosseguei somente quando a bruxa foi queimada e eles voltaram sãos e salvos para a casa dos pais.Vi Rapunzel jogar as tranças e uma história de amor ser tecida à revelia das intenções da bruxa malvada. Eu, até então, nem desconfiava que houvesse bruxas (também nada sabia acerca de histórias de amor).  Foi um escândalo!, eu me negava a acreditar em bruxas, mas decidi prestar mais atenção. Fugi de Barba Azul temendo ser tomada por ele para ser mais uma esposa; graças a Deus escapei, por pouco. Acompanhei D. Quixote em suas andanças, me diverti com as lutas imaginárias travadas por ele e me senti Dulcinéia, a amada que escolheu para reverenciar. Aprendi a jogar o "jogo do contente" com Poliana (jogo-o até hoje) e a subtrair alguma coisa boa das situações desagradáveis. Escondi-me da guerra de Tróia (nossa, que sufoco!), sem compreender os motivos de Helena, porém vibrei quando ela foi resgatada por Menelau. Marquei um encontro com Zeus, visitei o Olimpo e me encantei com a façanha de outros deuses e deusas que encontrei lá. Fui testemunha da injustiça cometida a José do Egito; quis ajudá-lo mas não tive meios. Um susto estupendo me fez perder a fala quando me deparei com o retrato de Dorian Gray.  A traição de Madame Bovary  robou-me o sono e a maldade de Dom Casmurro me tornou cautelosa, e me deixou com olhos de ressaca, ao vê-lo difamar Capitu. Depois de alguns bate- papos demorados com Érico Veríssimo, olhei os lírios do campos e me encantei. Foi tão enigmático que cheguei a ouvir música ao longe até ser surpreendida por Clarissa, com quem firmei uma amizade sincera. Um dia, me deparei com um profeta e não pude entender porque "nossos filhos não são nossos." Se eu não era do meu pai e de minha mãe, de quem eu era, então? Sem resposta para essa pergunta, mergulhei no universo da poesia: me banhei no lirismo de Cecília Meireles: perguntei-me, muitas vezes, se era "isto ou aquilo" mas continuava confusa, sem resposta. Acalmei minha timidez esperando que alguém viesse comigo, me adivinhasse e me descobrisse. Nada... Compartilhei do fanatismo de Florbela ao sentir na pele que alguém pode ser para nós não somente uma razão para viver mas a própria vida. Virei fanática e me queimei no incêndio do amor enquanto fogo que arde sem se ver. Tudo culpa de Camões. Conversei com Fernando Pessoa - nesse momento compreendi o que significava amor à primeira vista -, ele me segredou que tinha nele todos os sonhos do mundo"; reparei em mim: eu também os tinha. Nas tardes mais frias, quando meus olhos sabedores de aventura se cansavam, eu convidava Vinícius de Morais ou Drummond para me fazer companhia; sentia-me à vontade. Com eles eu tinha conversas intermináveis, a ponto de adormecer. Quando acordava não os encontrava mais, entretanto me sentia confortavelmente bem acompanhada. Nos meus momentos de incertezas e incompreensões, era costumeiro desabafar com Cecília Meireles. Dela, eu sabia,  havia um ombro amigo para me apoiar. Pelo jeito, entendia muito bem da confusão do mundo. Enveredar em versos de poesia e me perder neles era uma saudade que me dava alegria sentir. Até hoje.
    Foi vivendo todas essas aventuras que aprendi a sonhar, a duvidar, a fazer perguntas, a não concordar com tudo e, principalmente a voar. E, de voo em voo, descobri a ousadia de ser livre e viver essa liberdade com o propósito de ir cada vez mais longe e mais alto. 
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Um comentário:

  1. Olá Hortência, achei super legal sua iniciativa de criar um blog para expor suas idéias, seja bem vinda ao mundo da blogsfera... Tenho certeza que você se sairá muito bem!

    Eu quero aproveitar para te convidar a visitar o "Meu Cantinho" em www.mrp1313.blogspot.com - Também gosto muito de poesias e poderemos trocar figurinhas. Desde agora serei uma apreciadora do seu blog.

    um beijo bem grande minha querida, muitas paz e graça de Deus em sua vida. Sempre te admirei e sigo admirando cada vez mais...

    Beijão!!!

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